quinta-feira, 15 de julho de 2010

[GVE] Sequência (2/3)

6 Os casos em latim: terminologia e significação

Os termos "nominativo", "acusativo", "genitivo", "dativo" e "ablativo" são termos técnicos para cinco dos seis dos assim chamados "casos" dos substantivos e adjetivos do latim. (O sexto caso, o vocativo, é usado para dirigir-se a uma pessoa, ex. "benvindo, amigo", porém, uma vez que sua forma é a mesma que a do nominativo em quase todos os paradigmas, nós o deixamos fora das tabelas.) Os casos serão referidos como nom., ac., gen., dat, e ab.. Quando dispostos dessa maneira, os casos são chamados "declinação". "Declinar" um nome (substantivo ou adjetivo) é o mesmo que variá-lo em todos os seus casos. As diferentes formas dos casos são de vital importância em latim, e devem ser aprendidos e memorizados até que você os conheça à perfeição. A razão para isso é muito simples. Em português, nós determinamos o significado de uma frase pela ordem na qual as palavras surgem. A frase "o homem morde o cão" tem um significado bem diferente de "o cão morde o homem", por nenhuma outra razão a não ser que as palavras surgem em ordem diferente nas duas frases. Um romano ficaria perplexo com tal maneira de dizer as coisas pois, em latim, a ordem das palavras não determina funções gramaticais das palavras na frase (ainda que faça seu papel em ênfase do discurso): o que é vital é a forma que a palavra assume. Em "a filha chama o escravo", "filha" é o sujeito da frase e "escravo", o objeto. Um romano usaria a forma de nom. para indicar o sujeito e de ac. para indicar o objeto. Assim, quando escrevesse ou dissesse a palavra para filha, fīlia, ele estaria indicando não apenas o que a palavra significa, mas também a sua função na frase -- neste caso, sujeito; do mesmo modo, quando dissesse "escravo", seruum, a forma usada diria a ele que "escravo" é o objeto da frase. Assim, ouvindo fīlia seruum, um romano já concluiria de partida que uma filha estaria fazendo algo a um escravo. Se o romano ouvisse fīliam seruus -- observe que é a mesma ordem das palavras, mas diferentes formas -- ele teria concluído de partida que um escravo, seruus, que está no caso nom., estaria fazendo algo a uma filha, fīliam, aqui em caso ac.. ORDEM DAS PALAVRAS EM LATIM É DE IMPORTÂNCIA SECUNDÁRIA, uma vez que sua função se relaciona não com a gramática ou com a sintaxe, mas com a ênfase, efeitos de contrastes e estilo. Para falantes de língua portuguesa, a ordem das palavras é, obviamente, um indicador crítico do significado. Em latim, a gramática ou a sintaxe é indicada pela FORMA DAS PALAVRAS. A FORMA DAS PALAVRAS É VITAL.
_ Nós podemos notar aqui que o português guarda um resíduo de sistema de casos. Ex. "eu gosto de cerveja", não "me gosto de cerveja"; "ele me ama", não "se ama eu"; e, relacionado a isso, ele, se / ela, dela / eles, se, lhes, deles, etc..
1 Substantivo: o nome de algo (real ou abstrato), ex. "casa", "porta", "ideia", "inteligência".
2 Caso nominativo: as funções mais importantes são (i) de sujeito da oração e (ii) de complemento seguinte ao verbo "ser". Nominativo guarda o significado de "nomear" (nōminō, "eu nomeio"). Em latim, o sujeito de uma frase está "dentro do verbo", ex.

habeō significa "eu tenho"
habet significa "ele (ou ela, ou algo) tem"

Se alguém deseja "nomear" um sujeito, esse surge no caso nom., ex.

habeō serua "eu, a escrava, tenho"
habet serua "ela, a escrava, tem", ou "a escrava tem"
habet uir "ele, o homem, tem", ou "o homem tem"

3 Caso acusativo: a função mais importante é a de objeto do verbo. O caso ac. denota a pessoa ou coisa na parte que sofre a ação, ou seja, "o homem morde _o_cão_" Alguém poderia dizer que o ac. define a extenção ou abrangência da ação, ex. "o homem morde" (o que ele morde? uma bala? um sanduíche? não --) "o cão". Assim, o caso acusativo também pode limitar ou definir a extensão ou abrangência de uma descrição, ex. nūdus _pedēs_ "nu _no_que_diz_respeito_ aos pés", ou "de pés descalços".
4 Note Bem _ O verbo "ser" NUNCA será complementado pelo objeto direto no ac., mas frequentemente por um "complemento" no NOM.. Ex. "Fedra é a _filha_" Phaedra _fīlia_ est. Isso é perfeitamente razoável, uma vez que "filha" obviamente descreve Fedra. Eles são ambos a mesma pessoa, e virão no mesmo caso. [*]
5 Caso genitivo: este caso expressa, em sentido abrangente, as funções que em português são precedidas pela preposição "de". Sua raíz é a mesma que a de genitor, "autor", "originador"; "pai". Portanto, denota a ideia de "pertencente a" (posse), ex. "escravo de Euclião", e origem, ex. "filho de Euclião".

Casos dativo e ablativo: estes apenas serão empregados de maneiras bastante limitadas no livro Texto, para já, porém você deve começar a aprender suas formas desde o início. Formas do dativo e do ablativo surgirão nos trabalhos de exercício.

6 Ordem das palavras: a ordem comum das palavras em português para uma frase simples composta de sujeito, verbo e objeto é: (i) sujeito (ii) verbo (iii) objeto, ex. "O homem (suj.) morde (vb.) o cão (obj.)."
_ Em latim, a ordem comum é (i) sujeito (ii) objeto (iii) verbo. Vd. 1/5 e Gramática de Referência W para uma discussão mais abrangente.

7 Singular e plural; masculino, feminino e neutro

Do mesmo modo que trazem em si o "caso", os substantivos podem ser singulares (s.) quando houver apenas uma das pessoas ou coisas nomeadas, ou plurais (pl.), quando houver mais de um. Essa característica é chamada de (categoria de) "número" de um substantivo. Substantivos também são caracterizados por (categoria de) "gênero", ou seja, são masculinos (m.), femininos (f.) ou neutros (n.).
_ (N.t. Uma nota relevante ao português, que não surge nas explicações em inglês, por razões de terminologia gramatical característica: adjetivos serão mais detalhadamente explicados quando surgirem, mas não tem sido mencionados em razão de, em inglês, os termos "substantivo" e "adjetivo" estarem sob o mesmo título comum de "nome" ("noun"). Essa é uma discussão ampla que diz respeito à minha tradução, aqui, uma vez que há movimentos de se realizar nomenclatura similar em português, e, contudo, eu aqui, para já, mantenho, por razão de decisão a partir de minha experiência e percurso disciplinar, a nomenclatura que pode, no presente, por alguns, ser já considerada ultrapassada. Minha discussão é de resistência a tal atitude, em questões que não cabem, contudo, aqui, discutir. O esclarecimento se faz necessário em dizer que não é por ignorar movimentos e normas de se tratar "substantivo" e "adjetivo" por "nome" que eu continuo a fazer uso da terminologia que adoto.) Dito isso,
_ Adjetivos são vocábulos de natureza nominal, uma vez que tem padrões de variação imitativas às do nome ou substantivo. De fato, adjetivos imitam os substantivos que acompanham ou, mais precisamente, "concordam" com eles, não em formas, mas em categorias. (O estudo de adjetivos, iniciado em 1B trará clareza prática a essas questões teóricas.) De maneira geral, em latim, o adjetivo concorda com o substantivo que acompanha, em gênero, em caso e em número. Importante observar que, em português, concorda apenas em gênero e em número, mas, em latim, concorda também em caso.

8 Substantivos de 1a. declinação: seru-a ae 1 feminino (f.) "escrava"

O padrão que os substantivos seguem se chama "declinação". Substantivos "declinam".

s.

nominativo (nom.) _ séru-a _ "escrava"
acusativo (ac.) _ séru-am _ "escrava"
genitivo (gen.) _ séru-ae (-āī) _ "da escrava"
dativo (dat.) _ séru-ae
ablativo (ab.) _ séru-ā

pl.

nominativo (nom.) _ séru-ae _ "escravas"
acusativo (ac.) _ séru-ās _ "escravas"
genitivo (gen.) _ seru-ārum _ "das escravas"
dativo (dat.) _ séru-īs
ablativo (ab.) _ séru-īs

Notas
1 Uma vez que apenas em circunstâncias especiais o latim faz uso de palavras correspondentes a "o (a)" e "um(a)", serua pode significar "escrava", "a escrava" ou "uma escrava". O mesmo se aplica a todos os substantivos em latim.
2 Todos os substantivos de primeira declinação terminam em -a no nom. s.. Essa parte é chamada "terminação", e a parte anterior da palavra é chamada "radical". Assim, o radical de serua é seru-, e sua terminação é -a. O mesmo se aplica a todos os substantivos de 1a. decl.. Faça referência a fīli-a, famili-a, Phaedr-a, Staphyl-a, aul-a, corōn-a, scaen-a [**].
3 A maioria dos substantivos de 1a. decl. são de gênero f. (exceções comuns são agricol-a "fazendeiro", naut-a "marinheiro", ambos m.).
4 Note as ambiguidades:

(a) seru-ae pode ser gen. s., dat. s., ou nom. pl.
(b) seru-a é nom. s., mas seru-ā = ab. s. (não é ambíguo se você notou a quantidade da vogal com atenção: -a nom. / ab.)
(c) seru-īs pode ser dat. ou ab. pl.

5 Os substantivos desta declinação que você deveria ter aprendido são: famili-a "família", fīli-a "filha", Phaedr-a "Fedra", seru-a "escrava", Staphyl-a "Estáfila", aul-a "panela", corōn-a "guirlanda", scaen-a "palco", "cena".

9 Substantivos de 2a. decl.: seru-us ī 2 masculino (m.) "escravo"

s.
nom. _ séru-us _ "escravo"
ac. _ séru-um _ "escravo"
gen. _ séru-ī _ "do escravo"
dat. _ séru-ō
ab. _ séru-ō

pl.
nom. _ séru-ī _ "escravos"
ac. _ séru-ōs _ "escravos"
gen. _ seru-ōrum _ "dos escravos"
dat. _ séru-īs
ab. _ séru-īs

Notas
1 O vocativo, usado para dirigir-se às pessoas (ex. "olá, Brutus"), termina em -e, na 2a. decl. m., ex. "você também, Brutus?" et tū, Brūte? (vd. 17A para uma discussão mais abrangente).
2 Observe ambiguidades:

(a) seru-ō pode ser dat. ou ab. s.
(b) seru-īs pode ser dat. ou ab. pl.
(c) seru-ī pode ser gen. s. ou nom. pl.
(d) Observe as terminações -um do ac. s. e gen. pl.

3 Outro substantivo dessa decl. que você deveria ter aprendido é coqu-us "cozinheiro".

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